sábado, 16 de março de 2013

E quero a desarticulação, só assim sou eu no mundo. Só assim me sinto bem. (Clarice Lispector)


E quero a desarticulação, só assim sou eu no mundo.
Só assim me sinto bem.
(Clarice Lispector)

Certos desejos e instintos que são considerados como ilegítimos; revelam-se ao que parece em todos os homens, mas em muitos estão submetidos ao domínio da lei e da razão... São eles totalmente suprimidos ou quebrados em sua força e número... Refiro-me aos desejos que despertam quando o poder raciocinante e diretor da conduta estão adormecidos; o animal selvagem que temos em nós, só alimentado de materialidades, sai de seu antro e dá larga a sua vontade; não existe crime ou loucura, por mais vergonhosa e antinatural – como o parricídio e o incesto, que tais naturezas não cometam. Mas quando o homem está em sadio equilíbrio e vai dormir sob o sereno domínio da sua razão... Tendo satisfeito sem excessos seus apetites... Está ele com poucas probabilidades de fazer-se joguete de visões desordenadas... Em todos nós, ainda nos de melhor natureza, subsiste a fera que durante nosso sono abre os olhos e espia.(Durant, 1966, p.45 e A República, 571-573, p.411-14).
Deus, um ser espiritual, que pensou o mundo antes de criá-lo – pensamento verbal - usou a Palavra como meio de expressão e como instrumento de criação. O desenvolvimento da criança nos mostra que a Palavra é portadora de realidade, Diga-se para uma criança com quatro anos que ela tem um linguão e teremos problemas... A palavra criou o linguão. Para nós adultos, contaminados pelos mitos, ela também, é muito eficaz: “O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”, profetizava Antônio e criava o evento no futuro, impondo comportamentos para evitá-lo. Curiosamente, os mitos não servem ao modelo arqueológico, em que escavamos e encontramos vestígios e reminiscências de outros mitos. Quando eles se presentificam, vivos, estamos neles e eles, por inteiro, estão regenerados, se é que, em algum tempo – atemporais que são -, foram mutilados. Por isto, os lugares sociais, institucionais, a organização do espaço e do tempo familiar, a escolha dos nomes dos filhos são experiências vívidas; não podemos nos descolar delas sem violar tabus, perder a pertença grupal e ficar dessubjetivados.
A coisa pela qual a arte educa é simplesmente a sua existência. Trata-se apenas de encontrar essa existência, o que quer dizer, pensar um pensamento (fazer como fez Deus?).
Nosso longo período de fetalização permite que nos impregnemos da cultura. Nascemos extremamente dependentes, imaturos e vamos crescendo e nos desenvolvendo sempre nos moldes possíveis da cultura – nas suas várias manifestações. Sendo que o que ora nos ocupa é a mítica, vamos fechando nossas janelas biológicas neste processo.
Uma boa definição de saúde, então, é manter áreas insaturadas da mente para continuar o desenvolvimento.
Evidente que, fora do modelo biológico, pulsional, da fonte energética do corpo, do leito rochoso da biologia, é muito difícil que as catedrais se sustentem, mas já não é mais possível secundarizar a historicidade do humano... Se ouvirmos o silêncio num grupo, alguém já disse, possamos profetizar.